domingo, 9 de março de 2008

UM SONHO ACIDENTAL


Canto o desespero de não te ter aqui

como o poeta canta a liberdade

que sabe estar bem perto e não detém


Canto a fome dos teus beijos ávidos

e o tempo enorme que separa

o teu corpo esquivo da sede dos meus lábios


Canto a tarde em que nos descobrimos

e por momentos acredito que é possível

transportar para aqui toda a ternura

dessa tarde

como se fosse possível repetir

de olhos abertos um sonho acidental


Será o Amor um sonho acidental ?


PLAUTO

CONSTATAÇÃO


Porque não tinhas pela água o entudiasmo dos peixes, quedaste-te sobre a areia agarrando o vento, entre nesgas de sol e duendes antigos.

Amas mais as flores, eu sei, porque vês em cada flor o mistério do cio das abelhas, e em cada onda um náufrago, um barco destroçado.

Eu sei... eu sei... sei que sabes e não dizes, porque as palavras são sempre como as nuvens:

tarde ou cedo caem por si mesmas.

Porque é que sabemos tanta coisa, se desperdiçámos uma tarde a ruminar silêncios?


PLAUTO

ESTAS PALAVRAS VESTIDAS DE SILÊNCIO


Estas palavras vestidas de silêncio que damos um ao outro como pétalas de flores dispersas, dizem tanto daquilo que sabemos, que às vezes julgo escutar os gritos lancinantes que deixamos escapar das feridas por fechar e calamo-nos, com adesivos sobre os lábios, fechando as portas e as janelas para que o vento não empurre os gritos
para fora das muralhas dos nossos corpos ávidos.
Depois, contemplamo-nos como se nos víssemos pela primeira vez, e afagamo-nos em mútuas carícias impregnadas de um medo inconfessado que nos percorre as veias do silêncio dissimuladas sobre os nossos corpos.
Ah! por que não havemos de gritar o necessário desejo de estar vivos?
Quem nos proíbe, Amor, de nos tocarmos numa descoberta mútua e sempre nova de um espaço à nossa volta?
Quem?
Quem nos impede, Amor, aquele abraço, num ímpeto incontido de rasgar o espaço que separa as minhas mãos das tuas mãos?
Quem nos proíbe, Amor, que troquemos de segredos em cada beijo partilhado no silêncio das nossas bocas sequiosas?
Quem?
Quem impede, afinal, esta vontade de nos darmos um ao outro sem medo das ruas e avenidas que nos falam da cidade vigilante a observar-nos os passos e os gestos, a medir a intensidade das palavras que se propagam no eco do silêncio como um grito de angústia?
Outro dia, as minhas mãos sobre as tuas mãos ou o meu cabelo sobre o teu cabelo falaram durante horas a linguagem muda do desejo de nos termos, sem angústias nem reservas. E de lábios cerrados tivemos a mais longa conversa sobre o nosso amor.
Lá à frente o azul do mar e a suja areia, ao nosso lado, o calor das nossas mãos que se apertavam num estranho código de náufragos, entrelaçando os dedos e juntando as faces, resistindo ao desespero das ondas que teimavam afastar-nos um do outro (como o mundo à nossa volta).
Ninguém foi testemunha desse instante gravado apenas no silêncio clandestino das nossas memórias fugitivas.
Só nós (porque o mundo à nossa volta éramos nós) temos o direito de falar desse instante de amor, porque o vivemos num desespero rápido de quem sabe que o amor é um relâmpago rasgando a densa cortina do desejo e, quando um dia falarmos deste amor que pairou sobre as mãos entrelaçadas, ninguém entenderá este silêncio que se sobrepôs ao grito do teu peito, ninguém entenderá este poema que narra o desespero de não te ter aqui, neste instante em que te amo, mais e mais, clandestinamente, e em silêncio.

(in A Linguagem do Silêncio)