Por aqui é Terça-Feira, nem sol nem chuva. Apenas os gatos se atrevem a percorrer sonolentos os telhados. Ao contrário dos dias atrasados, as gaivotas parecem hoje adormecidas, como se estivessem saciadas e nada de momento as perturbasse.
Meus Deus! Tanta coisa de interesse para fazer, tanto livro e revista interessante para ler, tanto tema atractivo para reflectir… e o sacana do relógio teima em correr vertiginoso. Depois… não me sobra tempo para ver um filme ou mesmo uma peça de teatro, mesmo em vídeo no écran da TV. Mais interessante (porque sórdido e paradoxal) é que me sinto em paz com o mundo e as pessoas, mesmo com aqueles filhos da puta que vejo só se interessarem pelo seu umbigo. E a prova que estou bem é que consegui cortar com um hábito de cinco décadas: ler diariamente o jornal !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Aqui é Terça Feira, por mais meia hora. Depois será já um outro dia, uma incógnita semelhante a tantas outras, talvez uma equação a varias incógnitas, uma potência que não logro resolver nem descodificar porque os números ou os algarismos nunca foram o forte da minha racionalidade nem da minha lógica e além disso colidem frequentemente com a progressão geométrica das palavras…
Sei que não estou a ser coerente nem lógico, pelo menos não sigo aquele caminho habitual de quem escreve segundo um projecto predeterminado; sei que estou a tentar libertar-me de mim mesmo e dos grilhões que o tempo, o espaço e as circunstâncias habitualmente forjam para susterem os ímpetos do sonho. Mas ao libertar-me de mim vou ter onde? O Ortega Y Gasset é que tinha razão quando escrevia:«o Homem é o ser e a sua circunstância»…
Sei que há quem esteja mais que disponível para embarcar na mesma nau… mas tenho eu coragem para embarcar? Terei eu coragem para gritar autoritariamente: SOU EU O DONO DO TEMPO ?
Mesmo consciente da dimensão cósmica que me caracteriza (e que não é despicienda), percebo que nenhum corpo celeste é suficientemente autónomo para entrar numa translação autodefinida, pelo contrário: o rumo, o ímpeto e a velocidade são sempre determinados pelas forças centrífugas, nuns casos, pelas centrípetas, noutros; e o grave da situação é não sabermos desse conjunto de forças qual o mais poderoso ou, pelo menos, aquele a quem devemos obediência… E pode mesmo dar-se o caso de entendermos dever obedecer a um campo de forças e sermos impelidos para outro, sem que a nossa capacidade de resistência tenha energia suficiente para se opôr ou se afirmar.
Com toda esta reflexão já roubei meia hora ao horário do sono que a mim próprio tinha imposto.
Mas agora, antes que entre a Quarta-Feira vou terminar.
Abre-te Sésamo! E as portas hão-de abrir-se. Mesmo que sejam as de Tebas e nelas lutem ferozmente Etéocles e Polinices e eu fique, como Creonte, indiferente aos choros e gritos de Antígona, vendo matarem-se os dois irmãos na defesa de causas em que ambos acreditam e parecem ter ambos razão.
Viva a Pátria. Existe? Não sei. Mas confiro o benefício da dúvida. Acreditar, nem que seja na merda do Político-Mor, é preferível a ser céptico. O analfabeto, afinal, é bem mais feliz que eu.
Estou certo que o Olimpo dos deuses menores ainda possui alguma dignidade. Morfeu espera-me, mas no útero da noite, antes ainda da madrugada, hei-de trocar-lhe as voltas.
PLAUTO